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ARTIGO - O Risco de Dano Reverso no Embargo Cautelar de Embarcações

  • Foto do escritor: Elisa Portela
    Elisa Portela
  • 15 de abr.
  • 15 min de leitura

Atualizado: 28 de abr.




Questão que por vezes suscita controvérsias em sede de providências cautelares visando a embargar ou deter a saída de embarcações de portos nacionais vem a ser a possibilidade de dano reverso. A raiz das divergências se põe a nu na medida em que possa surgir uma preocupação, por parte do julgador, quanto a uma significativa desproporção entre, de um lado, o valor da embarcação a ser embargada ou detida, bem assim os eventuais compromissos comerciais futuros que seu operador tenha assumido com terceiros, e, de outro, o montante do direito de crédito que se pretende acautelar por meio da medida provisória de urgência. Em circunstâncias que tais, de quais os parâmetros ou métricas deve se socorrer o juiz ao apreciar a questão? 


O tema é, sem dúvida, relevante e convida à reflexão. 


Resumidamente, o conceito de dano reverso tem como objeto os efeitos inversos do eventual deferimento de uma providência cautelar sobre o sujeito passivo da medida. 


Como início de abordagem, tem-se, como premissa genérica, que a decretação de medidas constritivas de índole cautelar habitualmente causem algum tipo de restrição ou transtorno à esfera jurídica do sujeito passivo, devido à limitação que impõe à sua liberdade de ação. Esse efeito desfavorável da ordem liminar sobre seu destinatário nada mais é do que o denominado dano reverso. O dano reverso em si é, pois, em princípio, aceito como uma contingência possível e até previsível das tutelas cautelares, não sendo obstáculo ao deferimento das providências necessárias. 


Se, contudo, na implementação da providência cautelar, os transtornos ou efeitos negativos advindos ao réu possam se mostrar desproporcionalmente muito mais intensos do que o dano que se deseja evitar ao autor da medida – sobretudo se os danos ao réu forem de difícil ou impossível reparação –, aí o fenômeno do dano reverso passa a ser considerado processualmente indesejável, patológico, uma condição obstativa para o deferimento ou manutenção da tutela cautelar. Rotulando tal circunstância, consagrou-se, na doutrina e jurisprudência nacionais, a denominação desse efeito patológico como “periculum in mora reverso”¹. 


Não é tarefa sempre simples aquilatar, nas situações concretas, no confronto dos interesses antagônicos de autor e réu que estão em jogo, se o risco de dano ao réu possa vir a ser mais intenso do que o dano a ser sofrido pelo autor caso a providência cautelar não seja decretada. Nessa tarefa, o juiz, evidentemente, deverá guiar sua decisão conforme os parâmetros do princípio da proporcionalidade


O princípio da proporcionalidade, enquanto elemento balizador da ação judicial diante do confronto de interesses antagônicos, reclama a ponderação de três características, segundo já tradicional no nosso direito, a saber: (i) adequação, isto é, se a providência a ser tomada mostra-se apta a atingir os objetivos pretendidos; (ii) necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para o atingimento dos fins visados; (iii) proporcionalidade em sentido estrito, no sentido de que as vantagens que a medida trará devem superar as desvantagens². 


Finalmente, situação jurídica de todo indesejável em sede cautelar é a de conflito insuperável entre expectativas de riscos graves a interesses do requerente e do requerido, quando ambos os interesses são igualmente dignos de proteção, a implicar, no final das contas, a contingência de sacrifício integral de um deles em prol da preservação do outro. O juiz, ao apreciar e eventualmente conceder proteção cautelar, deve, mediante os amplos meios colocados ao seu dispor por meio do art. 297 do CPC, buscar solução equilibrada. É seu dever tentar evitar que um dos legítimos direitos colidentes, por escolha sua, seja integralmente imolado para a salvaguarda de outro que lhe faz contraponto. Somente pode o juiz se conformar com tal situação se não houver alternativa juridicamente possível, posto que, então, o sacrifício, sobre ser inevitável, decorre não da vontade do juiz, mas sim da própria natureza das coisas³.


Feitas essas breves considerações introdutórias, é momento de verificar como elas se aplicam à realidade específica e peculiar das tutelas de embargo ou detenção de embarcações⁴. 


O confronto entre direitos colidentes em matéria de embargo ou detenção cautelar de embarcações se dá habitualmente a partir da tensão entre dois importantes princípios gerais do direito marítimo, a saber, o princípio do cumprimento da viagem marítima⁵ e o princípio da garantia⁶. Conforme já anotáramos em obra anterior⁷, encontram-se ambos em constante contraposição, limitando-se reciprocamente, em maior ou menor extensão, segundo as escolhas de cada ordenamento jurídico. 


As percepções da casuística judicial quanto a possível periculum in mora reverso decorrente do embargo/detenção de embarcações costumam girar em torno de dois eixos principais: (a) o prejuízo que a paralisação causa ao próprio operador ou afretador da embarcação, ou aos terceiros de boa-fé que contam com o cumprimento dos compromissos comerciais do navio, e/ou (b) eventual desproporção significativa entre o valor de crédito acautelado e o valor da embarcação embargada ou detida. 


Como devem essas preocupações ser encaradas e endereçadas à luz dos mencionados parâmetros do princípio da proporcionalidade? Essa é a premissa metodológica que deve guiar a análise da questão. 


Como se pode perceber, a ponderação dos interesses em jogo em termos de proporcionalidade aponta, inequivocamente, para a adequação da pretendida medida de embargo ou detenção, visto que a permanência da embarcação na jurisdição local mostra-se efetivamente apta a alcançar o fim de assegurar a efetividade de cumprimento de eventual sentença condenatória a pagar quantia certa. Porém, dúvidas podem residir quanto à necessidade/exigibilidade e, sobretudo, à proporcionalidade em sentido estrito da providência, caso se dirija o olhar para (i) o risco de prejuízos ao requerido e a terceiros por conta do impedimento da embarcação em prosseguir com sua viagem ou (ii) para eventual disparidade entre o crédito a ser tutelado cautelarmente e o valor da embarcação a ser paralisada acaso concedida a medida. Nesses dois cenários, por vezes emerge uma percepção de que a medida se afiguraria por demais gravosa e de que as desvantagens na decretação da medida superariam suas vantagens, tudo isso a desembocar no entendimento de que o pedido cautelar deva ser indeferido ou, se já concedida a providência, que esta seja então revogada. 


Em tal contexto, surgem alguns precedentes nos quais a medida se vê denegada exatamente sob o fundamento da desproporcionalidade. 


Assim, no acórdão proferido pela 21ª Câmara de Direito Privado do TJSP no Agravo de Instrumento nº 0033119-69.2011.8.26.0000, Rel. Des. Virgílio de Oliveira Júnior, foi denegado pedido de arresto, dentre outras razões, porque a dívida a ser acautelada montaria a R$ 135.985,79, o que não cumpria “a justa proporcionalidade” em face do valor do navio a ser alvo da medida. Respaldando-se, aliás, nesse mesmo julgado paulista, o TJRJ, no julgamento do AgInt nº 0023143-81.2021.8.19.0000, Rel. Des. Wagner Cinelli de Paula Freitas, negou medida de embargo de embarcação estrangeira por dívida originária de R$ 33.000,00, anotando tratar-se de provimento “manifestamente desproporcional ao fim colimado, ferindo, pois, o princípio da proporcionalidade”. Já a 12ª Câmara Cível do TJRS, no Agravo de Instrumento nº 70007387806, Rel. Des. Orlando Hermann Júnior, igualmente indeferiu tutela de embargo incluindo na motivação que “prejuízos maiores decorreriam da constrição do navio, que ficaria impedido de completar sua rota”⁸. 


Como se percebe, em todos esses julgados, os respectivos julgadores adotaram aquela perspectiva última, extrema, acima mencionada, de estarem diante de uma colisão irremediável entre direitos conflitantes, daí se impondo o sacrifício integral de um deles como único expediente para a sobrevivência do outro. 


Mas essa perspectiva de irremediável colisão de direitos mostrava-se justificável? Por conseguinte, o indeferimento dos pedidos de tutela de urgência era, de fato, a única solução cabível? Essa a questão central a se perquirir. 


Sem entrar em considerações jurídicas outras⁹ para focar tão somente na dita percepção de um choque sem remédio entre direitos igualmente dignos de preservação, chama a atenção, nos julgados em questão, a ausência de qualquer alusão à possibilidade de substituição, pelo requerido, da providência de embargo/detenção por caução ou outra garantia como alternativa menos gravosa à sua escolha


Em matéria de embargo ou detenção de embarcações, longa é a tradição na nossa praxe judiciária de o pedido de tutela cautelar já vir posto pelo requerente no sentido de que seja concedida a ordem paralisando a saída da nave do porto ou local onde esteja, até que seja prestada caução ou outra garantia idônea, idônea a assegurar a eficácia de eventual sentença condenatória contra o requerido estrangeiro. Mas, mesmo se o pedido não vier porventura formulado nesses termos, sempre caberá ao juiz, com base nos amplíssimos poderes cautelares conferidos pelo art. 301 do CPC¹⁰, facultar a substituição da embarcação por outra garantia adequada a tornar seguro o futuro cumprimento de sentença condenatória¹¹. 


Facultada ab initio, por requerimento do autor ou pelo juiz de ofício, a substituição do embargo/detenção da embarcação por outra garantia idônea e eficiente, porém menos gravosa, forçoso é convir que então fica equacionada a questão da providência cautelar sob o prisma da proporcionalidade. A medida, como visto, revela-se, sem dúvida, adequada, pois apta a atingir o objetivo de impedir a iminente saída da nave de território nacional sem deixar patrimônio que responda por eventual condenação a pagar quantia certa. Também estará atendido o pressuposto da necessidade ou exigibilidade, pois o único meio urgente capaz de conjurar o perigo à efetividade do processo é, de fato, o imediato impedimento de saída da embarcação, sendo que, a partir do instante em que a providência estiver efetivada, ela poderá ser prontamente substituída por outra garantia menos gravosa ao réu e aos seus compromissos com terceiros. E, por último, a medida se mostrará proporcional em sentido estrito, posto que eventual disparidade entre o crédito sendo perseguido e o valor da embarcação poderá ser eliminada por meio da oferta de garantia substituta, facultada ao réu, proporcional ao montante do crédito¹². 


E há, registre-se, amplo leque de alternativas para efetuar a substituição em questão: depósito em dinheiro, fiança bancária, seguro-fiança judicial, cartas de garantias de terceiros etc. Deve ser relembrado, ademais, que o métier da navegação está bastante acostumado a aceitar cartas de garantia dos seguradores de responsabilidade civil dos armadores/transportadores marítimos (Clubes de P&I), as quais normalmente têm custo zero para os segurados. Portanto, mais uma garantia viável, de rápida obtenção e sem custo para o réu¹³. 


E em qualquer situação são deixadas ao próprio devedor tanto a avaliação do possível transtorno decorrente da eventual desproporcionalidade da medida como também, se entendê-la desproporcional, a pronta solução de reequilíbrio mediante a faculdade de pedido de substituição da garantia por outra idônea e menos gravosa para si. Mediante a simples concessão dessa faculdade ao réu, o juiz, no exercício dos seus poderes cautelares, consegue contornar a indesejável situação limite de conflito insuperável entre interesses contrapostos (efetividade do processo x menor onerosidade contra o devedor), ambos igualmente dignos de atenção, a desaguar no sacrifício integral de um deles. 


Diante dessas considerações e de maneira geral, denegar pedido de embargo/detenção de embarcação, devidamente fundamentado quanto aos pressupostos para sua concessão, ao argumento de desproporcionalidade do dano reverso, sem o emprego do recurso à prerrogativa de substituição da garantia, mostra-se, em princípio, com todas as vênias devidas, uma equivocada aplicação do princípio da proporcionalidade, contrariamente aos seus próprios pressupostos. 

Aliás, a majoritária jurisprudência nacional na matéria aponta, ao invés, para o correto caminho, podendo ser citadas, a título exemplificativo, decisões como a do TJSC no caso da embarcação “Master Pretos”¹⁴ e a do TJRJ com relação ao navio “Nordstar”¹⁵. As mais emblemáticas de todas vêm a ser, contudo, os acórdãos do TJSP na colisão do navio estrangeiro “Yusho Regulus” com um terminal local, causando extensas avarias aos equipamentos portuários e aos exportadores que utilizavam essas instalações portuárias para o escoamento dos seus produtos, tendo o navio permanecido embargado por cerca de oito meses no Porto de Santos, com carga de grãos a bordo destinados à exportação, até finalmente concordar em prestar caução idônea, e, assim, ficar liberado para zarpar¹⁶. 


É princípio universal de direito marítimo que as embarcações respondem com seu corpo pelos privilégios marítimos que as gravam. Também é fato sabido e admitido que os navios constituem a única garantia dos credores naqueles locais onde os proprietários não detêm outros patrimônios com que assegurar o cumprimento de suas responsabilidades legais. Daí, seja por um desses motivos ou já por ambos, sujeitam-se as embarcações a medidas de constrição mundo afora, sob os mais diferentes sistemas jurídicos. Todos esses são riscos conhecidos e inerentes à navegação moderna. Se o empresário da navegação não dispõe de meios mínimos e eficientes para lidar com os riscos normais de sua própria atividade, garantindo suas responsabilidades, sequer por meio dos mecanismos de seguro sem custo financeiro algum amplamente disponíveis no mercado e indispensáveis a quem atua no ramo, então isso constitui real motivo de preocupação, sob o ponto de vista jurídico, à efetividade das decisões judiciais. 


Em tais circunstâncias, de duas, uma: ou os interesses do navio mostram-se de fato insolventes, daí se justificando a imperiosa necessidade de constrição da nave para a proteção do credor, ou então os réus simplesmente mantêm a firme determinação de, a qualquer custo, dificultar a realização da garantia patrimonial ao credor, contando que o agravamento de sua situação por escolha própria possa equivocadamente sensibilizar algum juiz, afinal, a liberar a embarcação independentemente de caução. A hipótese última, a toda a evidência, não pode merecer guarida da ordem jurídica. 


Tomar decisões que mantenham em equilíbrio, com justiça, os interesses conflitantes de um processo, sabemos todos, é tarefa espinhosa, difícil, sobretudo quando se trata de tutela cautelar. Residem nas dificuldades das escolhas a serem assim feitas, em boa medida, tanto a miséria como a grandeza da arte de julgar. Mas o adequado emprego do princípio da proporcionalidade em matéria de embargo ou detenção de embarcações proporciona ao juiz, em sede cautelar, a possibilidade de uma rara ocasião decisória equânime, sem os tormentos das escolhas extremas. 


LUÍS FELIPE GALANTE - Mestre em Direito Privado, Membro titular do Comité Maritime International, Coordenador e Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) no curso de pós-graduação de Direito Marítimo, Presidente da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM).



REFERÊNCIAS:


ANJOS, J. H. dos; GOMES, C. R. C. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. 

BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 

D’ÁVILA, A. L. B. Arresto cautelar de navio. In: Direito marítimo made in Brazil. São Paulo: Lex, 2007. 

DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S. (coautor); OLIVEIRA, R. A. de (coautor). Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2015. 

GALANTE, L. F. O embargo de embarcações no novo CPC. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, edição especial, v. 19, n. 74. GOMES, C. R. C.; ANJOS, J. H. dos. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. 

MARTINS, E. M. O. Curso de direito marítimo. São Paulo: Manole, v. III, 2015. 

MARTINS FILHO, M. S. Embargo de navio: valor da garantia financeira substitutiva. Revista de Processo, 276. 

REIS FRIEDE, R. Aspectos fundamentais das medidas liminares em mandado de segurança, ação cautelar, ação civil pública e ação popular. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. 

TJRJ. Núcleo de Jurisprudência. 

TJRS. Núcleo de Jurisprudência. 

TJSC. Núcleo de Jurisprudência. 

TJSP. Núcleo de Jurisprudência. 

ZAVASCKI, T. A. Antecipação de tutela. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.  





¹ O termo parece se dever, inicialmente, a Reis Friede, na sua obra Aspectos fundamentais das medidas liminares em mandado de segurança, ação cautelar, ação civil pública e ação popular. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 106. 
² Há extensa bibliografia nacional sobre as origens e o conteúdo do princípio da proporcionalidade tal como adotado no Direito brasileiro. Por todos, importante referir a BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 223-224. Para o propósito do nosso texto, consideramos, tal como Barroso, o princípio da razoabilidade já abarcado pelos parâmetros do princípio da proporcionalidade. 
³ Considerações semelhantes ao do texto podem ser encontradas também em Teori Albino Zavascki (Antecipação de tutela. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 98), a propósito das tutelas satisfativas, mas que identicamente se aplicam ao presente contexto da colisão de direitos na esfera das tutelas cautelares. Identicamente, DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S. (coautor); OLIVEIRA, R. A. de (coautor). Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2015. p. 601-602. 
⁴ No texto, estamos nos ocupando somente da hipótese de embargo ou detenção de embarcação estrangeira, diante da possibilidade de sua saída de águas nacionais sem que os credores disponham de outro patrimônio do potencial devedor no país que possa assegurar o cumprimento de eventual sentença condenatória a pagar quantia certa. O embargo ou detenção de embarcações nacionais segue tratamento diverso, porquanto seus proprietários normalmente dispõem de outros patrimônios no país (contas bancárias, imóveis etc.) aptos a garantir o cumprimento de sentenças condenatórias. 
⁵ Esse princípio vem enunciado em diversas disposições do Código Comercial, tal como nos arts. 613 e 614. Ele manifesta-se, em sua dimensão processual, nos arts. 479 a 483 do mesmo Código Comercial e no art. 864 do CPC, todos buscando restringir os efeitos negativos de constrições judiciais sobre a realização das viagens marítimas, a fim de que estas possam ser concluídas e assim cumpridos compromissos comerciais das embarcações já programados com terceiros. 
⁶ O princípio da garantia voltado às embarcações decorre do reconhecimento de que a atividade da navegação enfrenta riscos intensos, e que tais riscos, porque associados à mobilidade inerente aos navios, torna as embarcações um patrimônio volátil e inseguro para os respectivos credores, a impor, se necessário, sua apreensão até que os devedores prestem garantias alternativas aptas a assegurar a efetividade das ações de cobrança dos créditos. O princípio da garantia vai manifestado em muitos preceitos legais, como, exemplificativamente, nas disposições do Código Comercial sobre embargo ou detenção de embarcações (arts. 479/483) e embargo de cargas (arts. 527, 609 e 619), bem assim no art. 12, § 1º, I, da Lei nº 7.203/1984 sobre assistência e salvamento. 
⁷ GALANTE, L. F. O embargo de embarcações no novo CPC. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, edição especial, v. 19, p. 109-110, n. 74. 
⁸ Todos esses julgados contemplavam outras razões de decidir além do periculum in mora reverso. Mas sobressai neles o peso que também atribuíram ao argumento. 
⁹ Certas considerações constantes dos acórdãos nos parecem, em si mesmas, juridicamente questionáveis. Assim, a preocupação preferencial com os interesses de terceiros ignora a mudança do eixo valorativo do direito marítimo, positivada em normas posteriores ao Código Comercial de 1850 e sancionadas pela jurisprudência dos nossos tribunais, em prol dos credores do navio, agentes econômicos importantes da indústria da navegação e do crédito naval, ainda que em detrimento, em certa extensão, dos direitos dos interessados na conclusão da viagem marítima (conforme já salientáramos em estudo anterior, O embargo de embarcações no novo CPC. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, edição especial, v. 19, n. 74, p. 119/122). De outro lado, mostra-se complicado negar a certos credores a proteção cautelar acessível aos demais simplesmente a partir do valor de menor monta dos créditos a serem tutelados. Todos os direitos merecem, de forma democrática, semelhante proteção qualitativa da ordem jurídica – pois, de outro modo, estaríamos admitindo uma justiça menos efetiva para os pequenos créditos –, não sendo juridicamente admissível o sacrifício de direitos somente por serem de expressão econômica “menor” ou “inferior” comparativamente com a embarcação a ser objeto da constrição, seja lá o que afinal se possa considerar como “menor” ou “inferior”.  
¹⁰ “Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.” 
¹¹ No CPC de 1973, havia a regra expressa constante do art. 805 autorizando a substituição da medida por caução ou outra garantia menos gravosa. A despeito de não existir regra equivalente no atual CPC, não há dúvida de que a possibilidade se insere dentro dos poderes cautelares conferidos ao juiz pelo art. 301 ora vigente. No mesmo sentido, apenas entendendo que a substituição dependeria de provocação do requerido, MARTINS FILHO, M. S. Embargo de navio: valor da garantia financeira substitutiva. Revista de Processo, 276, p. 393/394, sic: “No CPC/2015 não existe regra expressa autorizando a substituição do bem sobre o qual recaiu o embargo, entretanto, não parece haver dúvida de que uma vez demonstrado pelo réu que outra garantia lhe será menos gravosa e tão bem quanto o próprio navio possa garantir futura e eventual execução por expropriação, a substituição deverá ser autorizada”. 
¹² E, note-se, quanto maior a desproporcionalidade entre o crédito reclamado e o valor do navio, tão menor será a garantia substituta a ser colocada pelo réu, tornando injustificável a recusa de sua prestação. O argumento baseado na modicidade do crédito reclamado, que é por vezes manejado para amparar a denegação da medida, constitui, em verdade, raciocínio adequado a justificar o inverso: como relutar o Judiciário em decretar ou manter o embargo de embarcações por valores relativamente módicos, quando o réu se agarra unicamente ao argumento de uma desproporcionalidade, de resto se furtando a prover sequer uma garantia substituta módica ou mesmo de pequena monta, proporcional ao crédito reclamado? Essa conduta renitente por parte de réus não encontra respaldo, na esfera do processo civil, nos princípios da efetividade (art. 4º do CPC) e da colaboração processual (idem, art. 6º), nem no antes mencionado princípio geral da garantia do direito marítimo. 
¹³ Também enfatizando esse ponto, ANJOS, J. H. dos; GOMES, C. R. C. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 161; MARTINS, E. M. O. Curso de direito marítimo. São Paulo: Manole, v. III, 2015. p. 675; e D’ÁVILA, A. L. B. Arresto cautelar de navio. In: Direito marítimo made in Brazil. São Paulo: Lex, 2007. p. 246. 
¹⁴ “Ação cautelar inominada. Decisão detendo navio estrangeiro no porto até que preste caução para garantia de ressarcimento de danos que teria causado em instalações portuárias. Despacho insuscetível de reparo, prolatado, mesmo, com prudência e equilíbrio, eis que, havendo fundadas razões indicativas da responsabilidade do navio pelos danos, vindo a zarpar do porto e tomando o rumo de águas internacionais, e sem que seus responsáveis possuam aqui bens sobre os quais possa recair a execução, é muito provável não mais retorne ao país, com sérios riscos ao crédito do prejudicado [...]. Agravo desprovido.” (Agravo de Instrumento nº 8.944, 2ª Câmara de Direito Comercial, Rel. Des. João José Schaefer, J. 11.08.1994 – grifos nossos) 
¹⁵ “Direito comercial e processual civil. Medida cautelar equivalente ao arresto. Navio estrangeiro que colide com terminal portuário. Ação cautelar que busca obter garantia de ressarcimento. Saída iminente do navio do território nacional. Efeitos. Cabível a concessão de medida liminar para compelir o armador e o operador do navio estrangeiro a caucionarem o juízo para garantia de eventuais prejuízos causados por colisão do navio no terminal portuário, independentemente da existência de título executivo que autorize o arresto. Princípio fundamental da garantia ao resultado prático da ação. Provimento parcial do recurso para deferir a medida, impedindo a concessão de passe de saída do navio do porto, enquanto não prestada caução idônea.” (AI 2007.002.33554, 13ª C.Cív., Rel. Des. Arthur Eduardo Ferreira, J. 02.04.2008 – grifos nossos) 
¹⁶ Agravos de Instrumento nº 0219365-42.2012.8.26.0000 e 0232562-64.2012.8.26.0000, julgados pela 3ª Câmara de Direito Privado, em 15.01.2013, Rel. Des. Egídio Giacoia, decisões unânimes. 
 
 
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